O MINISTÉRIO MISSIONÁRIO E SUAS ESTRATÉGIAS
- Revista Publish Cristã

- 28 de set. de 2021
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Falar sobre estratégias missionárias é uma tarefa delicada. Delicada porque cada campo missionário requer sua especificidade, isso se encaixa perfeitamente no provérbio popular de que “cada caso é um caso”. De todos os materiais que li sobre estratégias missionárias, nenhum dos autores ousou determinar o “passo-a-passo” ou elencar uma lista de estratégias eficazes para uma “práxis” genérica. Na verdade, a boa e correta estratégia é aquela que, mesmo não deliberada, em cada caso particular alcança seu objetivo. Esse artigo pretende abordar alguns pontos vitais para o ministério do missionário que deseja dedicar sua vida ao chamado da evangelização e plantio de igrejas.
O primeiro ponto é a relação entre a igreja enviadora e o enviado vocacionado. Na história da igreja, bem como na igreja primitiva, muito dificilmente veremos algum missionário que não tenha se relacionado de forma consistente com a igreja que o enviara (At 15.22). Essa relação é tacitamente obrigatória. Cabe ilustrar com as palavras poéticas do ilustre escritor barroco Gregório de Matos (1636 – 1696): “O todo sem a parte, não é todo; A parte sem o todo, não é parte,”. Com isso, podemos afirmar que o mistério eucarístico se aplica também ao missionário que, como autêntico cristão, é parte do corpo de Cristo, devendo estar ligado a uma igreja. Concretiza-se, pois, a verdade de que não há parte sem o todo, nem todo, sem a parte.
O cristão é membro do corpo de Cristo e a este deve pertencer como os dedos pertencem à mão. Paulo deixa isso muito claro em 1Co. 12.27, quando diz: “vós sois o corpo de Cristo e membros cada um em particular” (RVR60). Não significa dizer que o crente deve ser institucionalizado para ser missionário, mas pertencer a um grupo de irmãos de forma consistente, que é a igreja de Cristo, com os quais, possua comunhão. Essa relação não deve ser de uma só parte, mas mútua. Tanto a igreja como o missionário devem servir um ao outro. Paulo demonstra essa relação de “dar” e “receber” quando escreve aos Filipenses 4.15 – “no tocante a dar e a receber, nenhuma igreja se associou comigo, senão unicamente vós outros”. Esse versículo demonstra, tanto a necessidade de Paulo em estar relacionado com a igreja, como da igreja para com Paulo, o missionário em Tessalônica.
É essa relação que vincula o “sim” e o “Amém” (1Co 1.20), o “ser enviado” a exemplo de Jesus (Jo. 12.49 - Porque eu não tenho falado por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, esse me tem prescrito o que dizer e o que anunciar [grifo nosso];[1] Ler também 1Jo. 4.14; Jo. 5.36; Lc 4.43). Esse “sim” e “Amém” são os elementos do chamado, a dupla confirmação: a interna e a externa.
Por confirmação interna, entendemos ser aquela voz do Espírito Santo que chama o vocacionado e lhe dá a convicção irremovível do seu propósito (Rm. 8.28b). Essa convicção é fundamental, ocorre individualmente no coração, no interior, e por isso é invisível. Ela não é a única confirmação para o envio de um missionário. Esse é o “sim” que o servo de Deus obteve do seu Senhor, mas ainda falta o “Amém”.
A confirmação externa, a qual entendemos ser o reconhecimento da igreja, é de natureza visível, resultado dos frutos que o Espírito Santo produziu naquele vocacionado a fim de cumprir o mandato divino. É no corpo de Cristo que o homem recebe a confirmação última de sua vocação espiritual. É nele, que as provas são ajustadas visivelmente. Todo homem bíblico, até mesmo Jesus no deserto, antes de entregar-se totalmente ao serviço do Reino, passa por um período de provação e aprovação. Esse é o “Amém”, crucial para o chamado.
Na história da igreja se observam casos de alguns que declararam haver sido chamados por Deus para o cumprimento de determinado propósito, mas não produziram frutos, diante do corpo de Cristo, para confirmar sua vocação. A igreja sabiamente não emitiu o “Amém”, e o suposto vocacionado se rebelou, provando que não tinha verdadeiramente o “sim”. Os dois elementos se complementam, não há chamado sem o “sim” e o “Amém”, pois um, integra e confirma o outro. Quando o “Amém” é ausente do “Sim” teremos na igreja de Cristo os falsos profetas, aqueles que foram ordenados ao Sagrado Ministério por meros motivos políticos ou institucionais, sem o chamado de Deus em seu interior (Ef. 1.1 – Paulo, Apóstolo de Jesus Cristo por vontade de Deus...).
Portanto, antes do “Amém”, a estratégia recomendada para a igreja é examinar com cuidado as instruções de Jesus em Mateus 7.15-23, pois somente pelos frutos é possível conhecer a árvore, frutos do Espírito, relatados em Gálatas 5.22. Já para o missionário que recebeu o “Sim” interior, o seu êxito está em não ter estratégia, mas apenas se deixar guiar pelo Espírito Santo (Rm. 8.14) e andar no Espírito (Gl. 5.25). Perceba que isso não é algo que possa ser negociado politicamente. Na verdade, essa relação simbiótica entre o “Sim” e o “Amém” não é uma estratégia deliberada de nossa parte, mas do próprio Deus, que nos escolhe, nos chama e nos envia, por meio da igreja, para o cumprimento de uma missão em seu nome.
O segundo ponto, é o cuidado com sua família. O verdadeiro missionário deve entender que sua família é sua primeira missão. Aqui podemos encontrar uma controvérsia com alguns irmãos que defendem sugerir Paulo que os missionários não se casem (1Co. 7). Assim sendo, eles perguntam, como deve ser a família sua primeira missão? Se olharmos o contexto da primeira audiência de Paulo vamos perceber que os coríntios eram um povo promíscuo e fornicador, que a igreja vivia em constante perseguição e que a vida de um missionário, naquela época e lugar, seria bem mais difícil com esposa e filhos quanto a fugir da perseguição, quanto ao tempo dedicado no trabalho e outros eventos culturais que exigiriam do casal mais dedicação.
Paulo é claro em estabelecer que aquelas instruções não são mandamentos do Senhor, mas seu parecer pessoal (1Co. 7.6, 25). Ao contrário desse pensamento, a bíblia nos ensina através do mesmo apóstolo Paulo, autor das palavras do contexto anterior, que o servo do Senhor deve ser marido de uma só mulher, que tenha filhos crentes não causadores de dissoluções nem insubordinados (Tt. 6); que esse servo ame a sua esposa ao ponto de dar sua própria vida por ela, a fim de apresentá-la perfeita e sem mácula diante do Senhor (Ef. 4.22-33); que seus filhos sejam obedientes, honrem aos pais e sejam criados na disciplina e na admoestação do Senhor. Ao contrário da ideia de celibato, o apóstolo Paulo prescreve esses ensinamentos com a autoridade do Senhor, de forma normativa para a igreja.
Entende-se, com isso, que se o missionário negligenciar sua família estará em desacordo com a própria Palavra de Deus. A estratégia recomendável para o cuidado familiar é estabelecer na semana “o dia da família”, para cultivar hábitos que trazem para o seio doméstico regozijo e união, como um passeio no parque, filmes edificantes ou um almoço especial.
O terceiro ponto é o respeito para com os aspectos culturais. Duas perguntas fundamentais surgem desse quesito. A primeira, o que é a cultura? E a segunda, o que é respeito?
As definições corretas nos levarão às atitudes corretas. Há diversos conceitos para cultura[2], mas em poucas e curtas palavras, registre-se a excelente definição de Paul Hiebert, que conceitua cultura como “os sistemas mais ou menos integrados de ideias, sentimentos, valores e seus padrões associados de comportamento e produtos, compartilhados por um grupo de pessoas que organiza e regulamenta o que pensa, sente e faz.”
O conceito de respeito, por sua vez, requer aprofundamento, pois se considerado como a manutenção e aceitação de todos os aspectos sociais de uma cultura, jamais poderíamos falar em evolução social ou miscigenação cultural. Por exemplo, para exigir respeito à cultura, em 1996 surgiu na Argentina um projeto de lei contra o proselitismo, que criminalizava a pregação de qualquer outra religião que não a constitucional. Felizmente foi rechaçado. É forçoso concluir que respeito não pode ser entendido como a completa aceitação ou conformismo aos elementos culturais de um povo.
Respeito, portanto, é mais bem interpretado como a ausência de prejulgamento às escolhas de cada indivíduo e a garantia da liberdade de expressão e de acesso à diversidade de ideias. Nesse sentido, o respeito cultural não se opõe ao trabalho missionário, pois permite a interação e a exposição de pensamentos e hábitos novos.
Inobstante, o Evangelho se opõe às escolhas individuais que atentam contra os princípios estabelecidos pelo Criador e, nesse particular, pode ser classificado como contracultura. Seu objetivo, no entanto, não é destruir a cultura de um povo, mas restaurar os costumes essenciais originalmente e naturalmente transmitidos por Deus na criação humana. No cerne do Evangelho está a afirmativa de que o sistema ideal de valores foi violado, desviado, infringido e carece de restauração. A necessidade de restauração cultural, no entanto, não é imposta, mas exposta, e é exatamente aí que o missionário exerce o devido respeito cultural.
O missionário deve ter plena consciência que enfrentará a multiculturalidade, especialmente na plantação de uma igreja urbana. Essa consciência o fará identificar, como Paulo no areópago ateniense, que traços culturais necessitam de restauração. Nem todo aspecto da cultura deve ser confrontado, por isso o missionário precisa observar com bastante cuidado e discernir dentre os traços culturais aqueles que simplesmente fazem o povo ser quem ele é e os que os separam de Deus.
O quarto e último ponto é duplo: A tarefa e o tempo de sua execução. A tarefa geral do vocacionado à Missio Dei é clara: “pregar o evangelho a toda criatura, e fazer discípulos de todas as nações” (Mt 28.19; Mc 16.15). Mas qual é a tarefa específica individual para cada indivíduo no cumprimento dessa grande comissão? A única coisa que um homem de Deus tem quando recebe o chamado missionário é a convicção de que Deus realmente falou com ele. Essa convicção, ninguém jamais poderá tirar. O missionário nesse ponto precisa desenvolver seu projeto evangelístico, isto é, um mapa mental claro daquilo que queima em seu coração, com objetivos e metas específicas, meios específicos, métodos de trabalho, estatísticas palpáveis e prazos estipulados em suas metas.
Dessa forma, o chamado terá caminho certo, diretrizes estabelecidas que darão rumo de como começar, e qual pedacinho do quebra-cabeças ele é, naquele grande plano divino. Sugere-se o desenvolvimento de um projeto escrito que defina cada ponto mencionado, de forma prática. É claro que nem tudo sairá de acordo com o planejamento, mas sem planejamento poderá não sair nada. Como disse Normam Vincent Peale: “Mire na lua, Mesmo que você erre, acertará as estrelas”.
Quanto ao tempo de execução nem sempre é mensurável no caso de plantação de igrejas, pois a dependência do missionário está na conversão das almas, e isso só o Espírito Santo pode fazer. Não há como administrar os resultados, mas sim os processos. Nesse sentido, estou de acordo com Hesselgrave[3] ,em seus 4 aspectos importantes das estratégias missionárias que ele denomina de “Ciclo Paulino”, a saber: 1 - Ter começo e fim; 2 - Não ter começo nem fim (dependendo da dimensão da Obra, como plantação de igrejas); 3 - Supervisão da realização; 4 - Ser aplicável a toda igreja, pioneira ou já existente.
Esses aspectos são bastante interessantes, até porque parece haver uma aparente contradição entre “ter começo e fim” e “não ter começo nem fim”. O que o autor quer dizer é que um projeto com referencial de conclusão traz certa efetividade em sua execução, mas nem sempre o projeto necessariamente terá um fim. O exemplo para isso é a plantação de uma igreja, que mesmo estando terminada, sempre terá o que continuar, como em um ciclo, a formação de novos missionários e a plantação de novas igrejas. O interessante é que cada ciclo, ou processo, deve ter um fechamento, e é aí que o autor se refere a um fim.
O chamado nunca termina, o vocacionado continuará em seu projeto de vida trabalhando para seu Senhor enquanto viver, mas em cada etapa de seu trabalho, é necessário estabelecer o fechamento do ciclo. Cada período de execução concluído produz no missionário uma sensação de realização e alegria e injeta forças para continuar, ou seja, para começar o novo ciclo.
Por fim, o que se põe aqui não é a fórmula mágica, muito menos a receita perfeita, mas com certeza são dicas úteis, fruto de estudo e da experiência missionária, relembrando, portanto, que o missionário deve ter o “Sim”, convicção interior, e o “Amém”, confirmação da igreja, deve cuidar bem de sua família, deve respeitar a cultura do local para onde foi enviado e ter clareza de sua tarefa, com planejamento e execução programada no tempo. Os resultados pertencem ao dono do chamado, o Soberano do universo.
[1] Sociedade Bíblica do Brasil. (1999). Bíblia de Estudo Almeida Revista e Atualizada (Jo. 12:49). Sociedade Bíblica do Brasil. [2] Levi-Strauss (1940), diz que a cultura tem por finalidade encontrar o pensamento coletivo que aglutina impressões e valores de um povo, valorizando o registro e interpretação de lendas e mitos. Radcliffe-Brown e Evans-Pritchard defendem que todos os aspectos que definem uma sociedade (língua, atividades de subsistência etc.) fazem parte de um todo que pode ser entendido como cultura, nascendo a distinção entre etnografia e etnologia. Para esses autores, a estrutura social é o ponto central em uma sociedade e todas as atividades e fatos sociais (valores, religião, organização familiar, etc) são desenvolvidos com a finalidade de manter a estrutura social estável. Ronaldo Lidório defende que o conceito de antropologia pode ser definido como “o resultado da aglutinação histórica de impressões, fatos e ideias sobre a identidade do homem disperso em seus diferentes ajuntamentos sociais” Para Edward Tylor (1832-1917), cultura é “todo comportamento aprendido, assimilado, avaliado e sujeito a progressos; sempre e quando independa de uma transmissão genética. Paul Hiebert conceitua cultura como sendo “os sistemas mais ou menos integrados de ideias, sentimentos, valores e seus padrões associados de comportamento e produtos, compartilhados por um grupo de pessoas que organiza e regulamenta o que pensa, sente e faz. [3] HESSELGRAVE, David J. Plantar Igrejas, um guia para missões nacionais e transculturais. Vida Nova, 2ed. 1995. p.42-43.

Autor:
Pr. Wilton Santos de Oliveira
Pastor Presbiteriano,
Plantador de Igrejas Urbanas,
Missionário em Buenos Aires -Argentina.
Mestrando




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